← Back to portfolio

Crítica sobre o documentário Elena

Published on

Petra Costa, cineasta brasileira, nascida em Belo Horizonte e filha de pais que lutaram na ditadura militar, produziu o primeiro longa em homenagem à sua irmã mais velha. O documentário extremamente pessoal de 2012 retrata a história da família e gira em torno de Elena e as consequências de seu suicídio. Petra também produziu o documentário “Democracia em Vertigem”. O longa foi indicado ao Oscar em 2019 como melhor documentário.

Elena possui um tom poético logo de início, perceptível através da trilha sonora melancólica, das cores escuras e da dublagem da própria diretora com o timbre de voz abatido. O documentário também captura a atenção do telespectador pela beleza das imagens e a conciliação da mesma com a trilha sonora. É importante ressaltar que Petra foi valente por remexer em um passado tão doloroso e capaz de trazer à tona sentimentos e memórias profundas que machucam quando chegam à superfície.

A história é narrada pela diretora e pelos vídeos caseiros gravados pela família em VHS. Com 13 anos de diferença entre as irmãs, nota-se que Petra teve pouco contato com Elena e busca uma reaproximação através das memórias no decorrer do documentário, mostrando as consequências de uma perda dolorosa e irreparável para uma criança de apenas 7 anos.

No auge de sua adolescência, Elena muda-se para Nova Iorque em busca do sonho de uma vida artística, mas em pouco tempo acaba caindo em depressão profunda. Nas gravações caseiras, pode-se notar que Elena está sempre atuando, dançando ou fazendo performances, e em um dos relatos de Marília Andrade (mãe), antes de sua morte, Elena queixava-se de que uma vida sem arte seria uma vida sem sentido. Dessa forma, entende-se que a atriz viveu em uma busca incessante de se auto anular em atuações fictícias. Assim, quando sua busca tornou-se cansativa e sem retorno, a atriz decide finalizá-la de maneira cruel, dando fim à essência de sua existência. Suicídio. Elena é um documentário que retrata a dor de sua própria negação, não somente a dor da atriz, mas de toda a sua família.

Da mesma maneira que a irmã, Petra decide estudar artes cênicas e se muda para Nova Iorque, pode-se notar que essa perda despertou um desejo de traçar uma trajetória parecida, como se Petra estivesse em busca de uma resposta ou motivo para o ocorrido. Durante o filme, a diretora nos dá a impressão de ter gravações da própria irmã andando pelas ruas de Nova Iorque, entre as luzes dos carros durante a noite, ali a cineasta converte-se em um avatar da irmã. São imagens poéticas que remetem à tristeza de uma perda e as consequências de uma busca exaustiva e dolorosa.

Por outro lado, é justamente essa busca que rende cenas preciosas como as que a diretora interage com a mãe e pergunta sobre como foi o processo de Elena em Nova Iorque. As duas refazem os últimos passos da irmã mais velha. Nota-se uma tristeza imensa, e os olhos sem brilho de Marília sendo obrigada a relembrar cada detalhe do dia. São filmagens carregadas de crueldade, porém uma crueldade necessária quando o desejo é justamente ressaltar o peso da morte.

A depressão de Elena foi devastadora, a atriz sucumbiu ao mal do século no auge de sua juventude. A família, por sua vez, não conseguiu conduzir a doença e agir de maneira protetiva. O filme nos traz essa reflexão de modo cruel, como se fizesse um apelo para a sociedade de que depressão é uma doença e deve ser tratada como tal.

O longa retrata também o peso e a culpa que Petra carrega: ao recordar-se da visita de uma amiga na infância, onde as duas veem a irmã envolta em tristeza, deitada na cama e a amiga pergunta “o que ela tem?”, Petra responde com a sinceridade de criança “ela é assim”. Nos deixa claro que Petra se conformou com a tristeza profunda de sua irmã, assim como qualquer criança dessa idade incapaz de compreender o mundo e sua complexidade.

Uma das imagens mais bonitas, ou talvez a mais bonita e poética é quando Petra e sua mãe flutuam em um rio, com vestidos longos e acompanhadas de outras mulheres que escorrem pelas águas, enxergamos ali muitas Elenas, Petras e Marílias, mulheres em luto que sofreram perdas irreparáveis, dores profundas na alma que irão carregar pelo resto de suas vidas.

Petra Costa conseguiu transformar toda a dor e frustração da irmã em um documentário farto de sentimentos, admiração, amor, saudade e tristeza que envolvem o telespectador de maneira profunda.